Os pobres e o Coronavírus – todos estão no mesmo barco?


Publicada dia 27/03/2020 10:45

Por Antonio Pedro de Sousa (Tonhão)

Uma pandemia como essa, em escala global, causa enormes danos sociais, econômicos e aos sistemas de saúde. É uma doença, cujo contágio é aparentemente democrático, ninguém está imune a ela. No entanto as coincidências param por ai. Partimos da premissa que o SUS – Sistema Único de Saúde – que atende mais de 150 milhões de brasileiros – sofreu um forte golpe em 2016, quando Temer aprovou a EC 95, congelando por 20 anos novos investimentos, o que significa que apenas em 2019 a saúde perdeu 20 bilhões, e que até 2036 essa perda poderá chegar a 400 bilhões de reais. Soma-se a isso o fim do programa “Mais Médicos”, que perdeu 8500 profissionais, que atendiam basicamente comunidades periféricas e localizadas em regiões remotas do país.

Pobre, nos dias de hoje, mal consegue visitar família em outro estado, não por acaso, não foi um pobre, o primeiro infectado confirmado em 26 de fevereiro, vindo da Itália e internado no melhor e mais caro hospital do Brasil, o Albert Einstein. Por outro lado foi um pobre o primeiro morto pelo COVID-19, um porteiro de 62 anos. Noutro caso, a vítima foi uma cozinheira que adquiriu a doença de sua patroa, também vinda da Itália. A tendência, conforme mostra a história das pandemias do passado, é que a população mais pobre seja a mais afetada.

As medidas tomadas pelos três níveis de governo, embora em alguns casos, estabanadas, sugerem – corretamente – o isolamento social das pessoas como forma de reduzir o contágio, e paralisam serviços públicos não essenciais, assim como o comércio e serviços. Mas ai também há diferenças dependendo da classe social; milhares de crianças de escolas públicas serão prejudicadas em seu ano letivo, pois não acessam tecnologia nem tem internet para aulas à distância, enquanto outras tantas terão uma refeição a menos a cada dia. Famílias mais abastadas certamente não terão esse problema.

É certo que a economia sofrerá impactos em todo o mundo e no Brasil, que já cogita um PIB zero para 2020. A informalidade no trabalho vai agora cobrar seu preço, e todos se lembrarão da frase repetida por Bolsonaro, “o trabalhador deve escolher entre ter direitos e ter emprego, pois não pode ter os dois“. Esse dilema revela a tragédia de quase metade dos trabalhadores brasileiros, que são informais; que devido à paralisação das atividades econômicas não têm onde buscar o sustento de suas famílias, nem o anteparo de leis trabalhistas. A parte formalizada foi surpreendida pelo presidente no último domingo (22 de Março) com a uma medida provisória que suspendia contratos de trabalho e salários por 4 meses. A reação popular e no Congresso foi imediata e Bolsonaro recuou no dia seguinte, mas ainda se mantém a proposta de redução de salários. Já para empresários da indústria e comércio, compensações serão pensadas pelo governo para reduzir suas perdas.

O isolamento também não é simples para os mais pobres. Eles não têm casas amplas, arejadas, nutrição adequada, rede de esgoto, água tratada, sabão, máscaras e álcool gel. Moram nas inúmeras favelas das grandes cidades, em casas pequenas, sobrepostas e com muitas pessoas, num ambiente propício para o contagio. É parte dos 100 milhões de pessoas que não tem rede de esgoto, e dos 35 milhões que não recebem água tratada. Estes estão entre aqueles, de renda até 2 salários mínimos, que a pesquisadora Débora Freire da UFMG identificou que vão perder 20% a mais na renda em relação aos mais ricos, que por sua vez contam com seus negócios, investimentos, altos salários, e estabilidade no emprego. Outra questão é que essas famílias de baixa renda são a grande maioria da população, e usam toda ela para o consumo, e foi isso que permitiu que o PIB chegasse a 1,1% ano passado, e seu decréscimo impactará negativamente o PIB deste ano.

Outra parcela da população, atingida pelo COVID-19, com alto grau de vulnerabilidade são os moradores em situação de rua, que no cotidiano urbano são invisibilizados, mas com a quarentena forçada para o restante da população, eles passaram a ser vistos, mas com muito mais preconceito. Estes não tem casa para se isolar, banheiro para se higienizar, água para beber e agora não tem nem onde pedir comida, pois até os voluntários que lhes davam sopa e roupas sumiram. São mais de 24 mil moradores, só na cidade de São Paulo, e destes, 7 mil são idosos. Sem a presença forte do estado com políticas públicas de saúde e assistência social, essa população que é vítima, se tornará vilã pela doença que poderá disseminar.

De toda essa crise do corona vírus, o mais chocante tem sido a postura absolutamente irresponsável do Presidente da República e boa parte de seus assessores, com exceção do Ministro da Saúde que tem trazido alguma racionalidade na crise e no combate a doença. Bolsonaro, seja por ignorância ou prepotência, sempre deu de ombros para a pandemia, mesmo quando ela crescia em todo o mundo. Convocou atos antidemocráticos que reuniu algumas centenas de pessoas no dia 15/03, e se juntou a elas, abraçando e tirando fotos de rosto colado, quando as recomendações já eram de isolamento social, especialmente ele, que havia voltado dos EUA, viagem que resultou em mais de vinte participantes contaminados e ele próprio estava em observação e aguardando resultado de exame.

O ponto alto da insanidade de Bolsonaro se deu na última terça-feira (24 de março), quando em um pronunciamento a nação, ele fez provavelmente o discurso mais desonroso dos 131 anos da República Brasileira. Zombou da OMS (Organização Mundial da Saúde), do Ministério da Saúde, dos governadores e seus secretários de saúde. Simplesmente, com o pretexto de salvar a economia, sugeriu a exposição de toda a população ao vírus em contraponto ao isolamento social, defendido hoje globalmente pela ciência médica. De forma explícita, o presidente pensa exclusivamente em sua reeleição, mas o efeito é exatamente o contrário, já colocando em risco o seu mandato, e pairando sobre ele a sombra de um impeachment.

A sociedade civil, os movimentos sociais, a justiça e o congresso devem exigir do governo medidas rápidas e efetivas que atendam os que mais precisam do SUS, os que estão nas favelas e nas ruas, as crianças que não tem aulas à distância – nem a refeição servida na escola, os que não têm água potável e esgoto tratado, os que não têm comida na mesa, os trabalhadores informais e sem direitos, os formalizados que terão salários reduzidos ou serão demitidos, os que não têm sabão, álcool gel e máscaras para se protegerem. Cabe, portanto ao Estado, nesse momento, aplicar o critério da equidade, atendendo os mais vulneráveis, dando-lhes condições de sobrevivência enquanto durar a pandemia.

A quarentena e o isolamento social, que afasta milhões de trabalhadores formais ou informais de seus empregos precisam ter como respostas do poder público: a oferta de milhares de leitos pelo país afora, respiradores, testes rápidos, máscaras, álcool em gel a preço de custo ou gratuito para pessoas vulneráveis, melhores condições de trabalho aos profissionais da saúde, isenção de tarifas públicas, programa de transferência de renda direta aos trabalhadores informais, complemento de renda aos que tiverem redução de salário, ampliação do bolsa família e atendimento da fila de espera que já chega a mais de 1 milhão de famílias e teve orçamento reduzido em 2020 (de 32,5 para 29,5 bi) e, por fim, a revogação da EC-95. Só assim poderemos contrariar a previsão do médico e professor da USP, Miguel Srougi, para quem, caso não haja essa injeção de recursos na saúde, “os pobres irão morrer na porta dos hospitais”.

Diretor Comunicação – FACESP

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