FACESP realiza “1º Seminário de Saúde Bucal no Estado de São Paulo”, e cria o Movimento “Bucaleiros”
Publicada dia 01/05/2021 16:22
Essa é uma das sugestões do “1° Seminário sobre Saúde Bucal no Estado de São Paulo”, realizado em modo online no dia 30 de abril de 2021 pela Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo (Facesp) e pela Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva (Abrasbuco). O objetivo é chamar a atenção para as doenças que afetam a boca dos paulistanos e organizar a população para exigir que o poder público adote providências para solucionar os problemas.
Na abertura do evento, fez-se um minuto de silêncio em memória das 400 mil vítimas fatais da covid-19 e em respeito ao sofrimento de suas famílias. Em seguida, a presidente da Facesp, Maura Augusta Oliveira, lembrou que a entidade milita pelo SUS há mais de 30 anos, desde que foi constituída, e ressaltou que “a saúde bucal precisa ser efetivamente implementada no sistema público, para atender todas as faixas etárias, desde a infância até a terceira idade”.
Paulo Frazão, da Abrasbuco e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, fez um retrospecto dos 30 anos do SUS e das políticas de saúde bucal no país, a partir da 1ª Conferência Nacional de Saúde Bucal, em 1986, e da promulgação da Constituição de 1988, impulsionada por movimentos sociais e sindicais que já pulsavam havia alguns anos nas grandes cidades.
O professor traçou comparativo entre a postura dos diversos governos desse período, incluindo a redução do papel do Estado durante alguns mandatos liberais, e a forma como a saúde pública progrediu ou retrocedeu, conforme a orientação política da gestão em vigor. Frazão também recordou que, antes da Constituinte, no início da década de 1980, quando houve a 7ª Conferência Nacional de Saúde, o Brasil era conhecido como “país dos desdentados”, situação que foi se alterando ao longo dos anos seguintes, à medida que o SUS foi implantado e foram surgindo políticas públicas voltadas para saúde bucal.
Zandra Baptista, conselheira municipal de Saúde representando usuários do segmento Movimentos Sociais e Comunitários, expôs dados sobre atendimento de saúde bucal na cidade, quais unidades básicas de saúde prestam esse serviço e as principais carências. “Os usuários querem que as unidades básicas tenham não apenas o técnico para fazer a limpeza dentária, mas que haja também cirurgião dentista e equipe completa de odontologia em toda a rede, e que todas as UBSs ofereçam serviços de qualidade”.
Ela realçou que as diretrizes do Ministério da Saúde são para que, a cada 3 mil habitantes, haja uma equipe odontológica completa. São Paulo, com 12 milhões de moradores, tem apenas 1.704 cirurgiões dentistas e somente 422 UBSs com esse atendimento, sendo a maioria sem a equipe técnica completa, o que evidencia um déficit de profissionais, algo que se repete em outras áreas do sistema.
José Carrijo Brom, presidente da Federação Interestadual dos Odontologistas, falou sobre a estrutura do sistema de saúde do país antes da pandemia do coronavírus, com predominância da lógica do Estado mínimo e mercado máximo, e mostrou dados da evolução dos casos de covid-19 no Brasil, destacando as mortes de profissionais da saúde, que até o mês de abril passavam de 1.500.
O dirigente também falou sobre o sucateamento do sistema público, com sequentes cortes de verbas. E conclamou à mobilização popular para fortalecer o controle social no SUS, revogar a Emenda Constitucional (EC) 95, impedir a reforma administrativa (PEC 32) e barrar terceirizações e precarizações dos serviços. Especificamente sobre a força de trabalho da saúde bucal, Carrijo entende ser necessário criar a carreira no SUS e lutar por concursos públicos.
Otacílio Batista de Souza Netto, professor de Saúde Bucal Coletiva na Universidade Federal do Piauí, falou sobre formas de fortalecer a saúde bucal na atenção primária do sistema de saúde e destacou que, em tempos difíceis, os dentistas podem ter relevância nas emergências, no acolhimento, na teleodontologia e contribuindo na vacinação, na testagem e no serviço radiológico, entre outras hipóteses de colaboração dos profissionais para crescente humanização e eficiência do sistema.
Ele ressaltou que a 16ª Conferência Nacional de Saúde, em 2019, resgatou o lema da 8ª Conferência, em 1986, a que trouxe o SUS – “Democracia e Saúde”, que “são coisas inarredáveis” à sociedade. E alertou: “Que o SUS, agora em evidência, não seja visto somente como um leito de UTI ou kit intubação, e sim como um sistema que produz saúde e defende a vida, vida com dignidade”.
Dirigente do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, Marco Antonio Manfredini comentou a importância que teve o programa Brasil Sorridente, ao possibilitar a expansão das ações de saúde bucal como nunca vista anteriormente no Brasil, incluindo serviços especializados. Historicamente, os serviços faziam quase que só extração de dentes, em vez de focar em prevenção. “O tipo de odontologia destinado às classes populares era basicamente extrair dentes e muito pouco atendimento de natureza preventiva ou restauradora”.
Ele contextualizou dois períodos do programa: um que vai de 2003 a 2010, com forte expansão dessa política pública inédita no mundo, pela abrangência a todas as faixas etárias e pela expansão no âmbito da atenção secundária (citou os Centros de Especialidades Odontológicas) e também da atenção terciária (inserção de dentistas no ambiente hospitalar). Outro marco desse período foi o aumento de contratação de trabalhadores em saúde bucal, “infelizmente em condições de precariedade do trabalho”, ressalvou.
O segundo período do Brasil Sorridente, 2011 a 2015, sofreu contínua estagnação da política nacional, sobretudo após a aprovação da EC 95 – que impôs o chamado teto de gastos públicos em Saúde e Educação –, além de grandes mudanças administrativas na Coordenação de Saúde Bucal do Ministério da Saúde. Manfredini também destacou que a saúde bucal deixou de ser prioridade em todas as esferas de governo e que, desde 2003, raras vezes a cidade de São Paulo tomou iniciativas para ampliar os serviços.
Sobre esse ponto, Francisco Freitas, diretor de Saúde da Facesp e um dos organizadores do seminário, citou o Relatório Anual de Gestão de 2019, feito pela prefeitura, que demonstra o quanto a saúde bucal não é prioridade para a gestão estadual. Ele também rememorou informações que, a seu pedido quando era conselheiro municipal, foram fornecidas em 2018 pela Secretaria de Saúde do estado atestando a pouca evolução da estrutura da saúde bucal na cidade nos anos recentes.
Ao falar da cobertura atual do sistema de saúde na cidade, Freitas informa que mais de 1 milhão de pessoas perderam emprego com o aprofundamento da crise econômica e migraram dos planos privados para a rede pública, o que sobrecarrega o SUS sem que haja investimentos orçamentários para essa demanda, uma forma de sucateamento do serviço público. Ele também registrou que, além de não prover equipes técnicas completas, a prefeitura não investe em equipamentos para facilitar a atuação dos profissionais da odontologia. E argumentou ser necessário demonstrar ao governo que “investir em saúde preventiva, ou seja, na atenção primária, é garantia de desafogar a rede hospitalar”.
Em comum, os debatedores criticaram a política neoliberal que conduz ao subfinanciamento (ou desfinanciamento) e desaparelhamento do SUS e consecutivas medidas legislativas e governamentais intentando privatizar o sistema, em dissonância com o pensamento da população. Em pesquisa recente do Datafolha os paulistanos apontaram, pela primeira vez, o SUS como o melhor serviço público na cidade. Essa percepção ocorre após um ano de pandemia, em que o sistema vem sendo primordial no atendimento aos doentes, inclusive usuários de planos privados que necessitam recorrer à rede pública.
A necessidade de revogação da EC 95 é também um entendimento predominante entre os convidados do evento. Outras propostas apontadas no seminário são a criação da Comissão de Saúde Bucal no Conselho Municipal de Saúde (CMS); fortalecimento da assistência à saúde bucal nas regiões de alta vulnerabilidade social; ampliação da quantidade de laboratórios de próteses dentárias; e implantação dos serviços de saúde bucal em todas as UBSs e Upas.
O seminário contou com a presença de lideranças comunitárias, conselheiros gestores de unidades básicas e de supervisões técnicas, integrantes do CMS, militantes de movimentos populares de saúde, profissionais da saúde bucal e usuários do SUS. A organização vai preparar um documento com os principais tópicos para ser entregue ao Ministério Público Estadual, à Defensoria Pública, Tribunal de Contas do Município, Secretaria Municipal de Saúde, Comissão de Saúde da Câmara Municipal, Prefeitura, Conselho Municipal de Saúde e outras instituições, na expectativa de que as ideias e propostas sejam avaliadas e implementadas no âmbito de cada uma.
Para assistir à íntegra do seminário, clique AQUI.
Por Sueli Scutti, jornalista